sábado, 4 de fevereiro de 2012

Crime, disse el*

"Crime", disse ele: Vasco Graça Moura, relativamente ao novo Acordo Ortográfico (AO).
E digo eu também, pois sou "Pela Língua Portuguesa contra o (Des)Acordo Ortográfico"!

Poderia iniciar um "testamento" para mostrar como fiquei perplexo perante este AO, mas revelarei a minha indignação com um pequeno exemplo: Toda a gente deve estar a par dos acontecimentos fatídicos que tiveram lugar no Egipto a propósito de uma partida de futebol, em que se verificaram graves conflitos entre adeptos, daí resultando mais de 70 mortos e centenas de feridos.


E porquê trazer à baila este país? Porque ao abrigo do novo AO, deverá escrever-se Egito (sem o pê). Então porque motivo não chamamos aos naturais daquele país, "egícios" (sem a letra pê)?

Sou português e aprendi a escrever português. Sempre fui dos poucos alunos que sabia escrever (quase) sem dar erros ortográficos. Sempre me esforcei por corrigir e ajudar quem cometia tais erros. E para quê? Para agora virem uns tipos e decidirem que o que estava errado agora já é correcto!

Só estão a passar uma borracha numa das poucas coisas que determinam a nossa identidade enquanto portugueses: a nossa língua. (Utilizei o termo borracha intencionalmente. É que em Espanha "borrar" significa "apagar").

Julgo que tudo tem a ver com uma parte muito chata da gramática portuguesa: a fonética - trata-se de uma disciplina que nos ensina como ler cada palavra. Vejamos alguns exemplos:

  • A palavra "Nobel" é uma palavra aguda, isto é, tem acento tónico na última sílaba, como acontece com papel, anel, animal. Outro pormenor deste substantivo, está na sua etimologia: Nobel é o apelido de Alfred Nobel, um autor sueco que instituiu o prémio com o seu nome e que se pronuncia [nobél]. E todos os dias vemos os jornalistas - algumas das primeiras pessoas que deveriam saber pronunciar correctamente aquilo que lêem, pois têm a maior plateia do mundo - a cometar esta calamidade linguística!
  • A palavra "tremoço", quando pronunciada no plural é sempre, sem excepção, lida como se se tratasse de uma palavra aguda, portanto com a letra "o" aberto. Na verdade, deveria ler-se [tremôços] com  "o" fechado. Acontece o mesmo com as palavras acordo/acordos, poço/poços, tijolo/tijolos, esposo/esposos, etc. No entanto, porque soa mal, é muito raro pronunciarmos da forma correcta e, se alguma vez a ouvirmos lida ou dita como deve ser, certamente "corrigiremos"  - pensamos nós - quem a  leu ou proferiu.
Voltando à questão central, este AO vem desmanchar a essência da nossa língua e identidade. Não me venham com tangas que, ao abrigo do novo AO, "toda a consoante que não se lê não se escreve", pois há vários casos em que a vogal mantém-se. Simplesmente não há coerência de argumentos.

Porque razão não se passa a escrever "connosco" só com um "n"? - bem, a maioria nem deve suspeitar que se escreve com dois "énes"Facto é um acontecimento e leio sempre o "c". Fato é um vestido ou alguma espécie de traje. E nem me vou dar ao trabalho de escrever mais nada...

Aquilo que farei, eu digo-vos: continuarei a escrever sempre como aprendi, pois a forma como escrevo dita a forma como leio as palavras e como diferencio o significado de cada uma. Qualquer coisa, há dicionários para editores de texto que corrigem os nossos textos de acordo com essas novas regras ortográficas - eu chamar-lhe-ia outra coisa, mas enfim...

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